Requerente: Secretaria Municipal de Esporte e Lazer
Requeridos: Equipes Boca Juniors e Jovens Talentos
Processo nº 2025.05.27.0006
I - RELATÓRIO
Trata-se de procedimento administrativo instaurado pela Secretaria Municipal de Esporte e Lazer com o objetivo de apurar suposta conduta antidesportiva das equipes "Boca Juniors" e "Jovens Talentos" no Campeonato Municipal Bonjardinense de Futsal 2025, especificamente na partida realizada em 23 de maio de 2025, às 20h00, no Ginásio Poliesportivo "Pedrosão".
Às fls. 12/15 decisão determina a eliminação sumária das duas equipes.
Às fls. 16/19 decisão revoga decisão de eliminação sumária, determina a suspensão do Campeonato de Futsal e determina a intimação das Equipes para apresentação de defesa.
Portaria nº 093 – SEGGAB, às Fls. 24; 53/54, nomeia o Dr. Pablo Fernando Maranhão Melo, para a presidência do feito.
Às fls. 25/27, a Equipe Boca Juniors apresenta manifestação preliminar com requerimentos.
Intimada, a Requerente, às fls. 29, apresenta manifestação nos autos.
Decisão de fls. 30/31 resolve questões preliminares e dá novo prazo para apresentação de defesa.
Às fls. 32/33 a presidência do feito promove a transcrição da Súmula da partida.
A Equipe Boca Juniors, às fls. 35/43, apresenta defesa e junta documentos.
A Equipe Jovens talentos, às fls. 44/47, apresenta defesa.
Despacho de fls. 49 intima as partes para apresentar as provas que pretendem produzir.
A Secretaria Municipal de Esporte e Lazer, à fl. 52, apresenta rol de testemunhas.
A Equipe Boca Juniors, à fl. 57/58, apresenta abaixo-assinado, sem a apresentação de rol de testemunhas.
Decisão de fls. 60/61 designa Audiência de Instrução e Julgamento, para o dia 23/06/2025.
Ata de Audiência às fls. 63/73.
À fl. 75 as partes e testemunhas são intimada para a assinatura da ata de audiência e apresentação de eventuais impugnações.
À fl. 75 às partes são intimadas para a apresentação de alegações finais.
A Secretaria Municipal de Esporte e Lazer, às fls. 78/78 apresenta Alegações Finais.
A Equipe Boca Juniors, às fls. 81/86, apresenta Alegações Finais, alegando preliminares e mérito.
A Equipe Jovens Talentos, às fls. 87/90, apresenta Alegações Finais, sustentando, em síntese, ausência de provas.
Autos conclusos para decisão final.
É, em síntese, o relatório.
II - FUNDAMENTAÇÃO
Passo, desde logo, a enfrentar as questões preliminares suscitadas pelos Requeridos.
DAS PRELIMINARES
II.I DA ILEGALIDADE DO ÁUDIO JUNTADO AOS AUTOS
Os Requeridos sustentam que o áudio juntado aos autos, supostamente atribuído a jogador de uma das equipes, não se reveste dos requisitos mínimos de validade probatória.
Razão aos Requeridos. Justifico.
De acordo com aConstituição Federal de 1988 (art. 5º, LIV e LV), o devido processo legal e o contraditório são garantias fundamentais que exigem aidentificação clara da autoriade provas utilizadas em processos administrativos. Um áudio anônimo, sem autoria reconhecida, viola esses princípios, pois impossibilita averificação da licitude de sua obtenção(art. 5º, LVI) e o exercício pleno do direito de defesa.
A jurisprudência doSupremo Tribunal Federal firmou o entendimento de que provas indeterminadas em sua origem sãoinidôneaspara embasar decisões condenatórias, por ferirem a segurança jurídica e a ampla defesa, no mesmo sentido tem se posicionado o Superior Tribunal de Justiça.
RECURSO ESPECIAL. ART. 305 DO CPM. NULIDADE. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. PROVA EMPRESTADA. QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA DA PROVA. FALTA DE ACESSO À INTEGRALIDADE DAS CONVERSAS. EVIDENCIADO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM A EXISTÊNCIA DE ÁUDIOS DESCONTINUADOS, SEM ORDENAÇÃO, SEQUENCIAL LÓGICA E COM OMISSÃO DE TRECHOS DA DEGRAVAÇÃO. FILTRAGEM ESTABELECIDA SEM A PRESENÇA DO DEFENSOR. NULIDADE RECONHECIDA. PRESCRIÇÃO CONFIGURADA. RECURSOS PROVIDOS. DECRETADA A EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. 1. A quebra da cadeia de custódia tem como objetivo garantir a todos os acusados o devido processo legal e os recursos a ele inerentes, como a ampla defesa, o contraditório e principalmente o direito à prova lícita . O instituto abrange todo o caminho que deve ser percorrido pela prova até sua análise pelo magistrado, sendo certo que qualquer interferência durante o trâmite processual pode resultar na sua imprestabilidade (RHC 77.836/PA, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 05/02/2019, DJe 12/02/2019). 2 . É dever o Estado a disponibilização da integralidade das conversas advindas nos autos de forma emprestada, sendo inadmissível a seleção pelas autoridades de persecução de partes dos áudios interceptados. 3. A apresentação de parcela do produto extraído dos áudios, cuja filtragem foi estabelecida sem a presença do defensor, acarreta ofensa ao princípio da paridade de armas e ao direito à prova, porquanto a pertinência do acervo probatório não pode ser realizado apenas pela acusação, na medida em que gera vantagem desarrazoada em detrimento da defesa. 4. Reconhecida a nulidade, inegável a superveniência da prescrição, com fundamento no art. 61 do CPP. 5. Recursos especiais providos para declarar a nulidade da interceptação telefônica e das provas dela decorrentes, reconhecendo, por consequência, a superveniência da prescrição da pretensão punitiva do Estado, de ofício.
(STJ - REsp: 1795341 RS 2018/0251111-5, Relator.: Ministro NEFI CORDEIRO, Data de Julgamento: 07/05/2019, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 14/05/2019 RSTJ vol. 254 p. 1514).
De igual modo, no âmbito administrativo, a Lei nº 9.784/1999 impõe o dever de motivação e legitimidade das provas, sendo inadmissível a valoração de elementos sem origem comprovada, provas anônimas, sem cadeia de custódia ou autoria verificável, não podem fundamentar sanções, sob pena de configurar arbitrariedade. Portanto, o desentranhamento do áudio juntado aos autos é medida necessária para assegurar a legalidade do processo e a proteção contra condenações baseadas em indícios frágeis ou ilegítimos.
Por outro lado, importante consignar, que o desentranhamento do áudio alegadamente confessional não inviabiliza a análise do mérito, pois o relatório de arbitragem que documenta indícios de manipulação do resultado da partida é anterior e independente em sua formação. A "teoria do fruto da árvore envenenada" pressupõe que a prova ilícita contamine as demais derivadas dela. No caso concreto, contudo, o relatório de arbitragem não decorre do áudio, mas sim de observações técnicas in loco, registradas em momento distinto e com fundamentação autônoma. Assim, conforme jurisprudência do STJ a exclusão de uma prova não prejudica outras já consolidadas por meios lícitos e desconexos daquela.
Vejamos:
HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. PEDIDO DE TRANCAMENTO DO INQUÉRITO POLICIAL. INVESTIGAÇÃO COM BASE EM PROVA DERIVADA DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA TIDA POR ILÍCITA. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. ART. 157, § 1º. DO CPP. FONTE INDEPENDENTE. ACUSAÇÃO LASTREADA EM PROVAS AUTÔNOMAS. EMBARGOS DECLARATÓRIOS. CARÁTER MANIFESTAMENTE PROTELATÓRIO. ABUSO DO DIREITO DE RECORRER. POSSIBILIDADE DE IMEDIATO CUMPRIMENTO DA DECISÃO DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL. ACESSO A NOTAS TAQUIGRÁFICAS DE JULGAMENTO. AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO. ORDEM DENEGADA. 1. Tendo sido anulada, pelo Supremo Tribunal Federal, a interceptação telefônica, tal nulidade deve ser estendida às provas, supostamente lícitas e admissíveis, obtidas a partir da prova colhida de forma ilícita, por força da teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits of the poisonous tree), de origem norte-americana, consagrada no art. 5º, inciso LVI, da Constituição Federal . 2. A regra de exclusão (exclusionary rule) das provas derivadas das ilícitas comporta, na jurisprudência da Suprema Corte dos EUA, diversas exceções, tendo sido recepcionadas no ordenamento jurídico brasileiro, no art. 157, §§ 1º e 2º do CPP, ao menos duas delas: a) fonte independente e b) descoberta inevitável. 3. No caso concreto, em inquérito policial instaurado quase cinco anos após a realização da interceptação telefônica que veio a ser anulada pela ausência de diligências preliminares confirmatórias de denúncia anônima, o paciente peticionou nos autos, prestando informações e sugerindo diligências que vieram a ser realizadas pela autoridade policial. 4. A manifestação espontânea e voluntária do paciente consubstancia, na linha da jurisprudência pátria, fonte independente, de modo que as provas assim obtidas apresentam-se como autônomas, não restando evidenciado nexo causal com as interceptações telefônicas anuladas. 5. A interposição de sucessivos recursos com finalidade meramente protelatória autoriza o imediato cumprimento da decisão, consoante jurisprudência firmada pelo STJ e pelo STF. 6. É legítimo que também os Tribunais Regionais Federais possam impedir a protelação infinita dos processos de sua competência, estabelecendo termo final para as suas decisões e ensejando a preclusão. A reiteração de embargos de declaração protelatórios torna o recurso manifestamente incabível, não merecendo sequer conhecimento. 7. As manifestações orais em julgamentos colegiados podem ser revisadas e mesmo canceladas, sem que isso implique nulidade do julgado. Assim sendo, não há que se falar em direito líquido e certo de acesso a tais registros. 8. Ordem denegada.
(STJ - HC: 338756 PR 2015/0259261-5, Relator.: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 06/10/2016, T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 30/11/2016).
Conforme consagrado pelo Superior Tribunal de Justiça, a nulidade de uma prova ilícita — como uma interceptação telefônica realizada sem os requisitos legais — estende-se às provas dela derivadas, em observância à teoria dos frutos da árvore envenenada (art. 5º, LVI, CF/88 e art. 157, § 1º, CPP). No entanto, como destacado no julgado sob análise, essa regra de exclusão não é absoluta, admitindo exceções como a fonte independente e a descoberta inevitável, como no presente caso, em que o relatório de arbitragem não decorre do áudio, mas sim de observações técnicas in loco, registradas em momento distinto e com fundamentação autônoma.
Por essas razões, acolho a preliminar.
II.II DA AUSÊNCIA EM AUDIÊNCIA DO MESÁRIO DA PARTIDA, DOS MEMBROS DA COMISSÃO ORGANIZADORA E DO REPRESENTANTE DA SECRETARIA MUNICIPAL DE ESPORTE E LAZER
A Equipe Boca Juniors alega que a ausência do mesário da partida, dos membros da comissão organizadora e de representante da Secretaria Municipal de Esporte à audiência de instrução e julgamento maculou o ato.
Nesse aspecto, sem razão ao Requerido. Justifico.
Conforme determinado no despacho de fl. 49, as partes foram regularmente intimadas para indicar e produzir as provas que entendessem necessárias ao caso, incluindo a prova testemunhal. No entanto, a parte interessada não cumpriu esse ônus processual, deixando de arrolar testemunhas que agora julga relevantes — como o mesário da partida e o Secretário de Esporte e Lazer. Essa omissão, por si só, obsta a alegação posterior de cerceamento de defesa, pois a parte teve ampla oportunidade de instruir seu direito e não o fez nos termos legais.
Nos termos do art. 385 do CPC, é responsabilidade da parte requerer o depoimento pessoal da parte adversa, cabendo-lhe provocar a oitiva de testemunhas e demais meios de prova na audiência de instrução. Embora a Presidência possa suprir eventual omissão (determinando de ofício a produção de provas necessárias), esse poder é supletivo e não exime a parte de seu dever processual. No caso em questão, a falta de iniciativa da parte em arrolar testemunhas e solicitar interrogatórios esgota sua possibilidade de questionar a instrução probatória, uma vez que a Presidência já garantiu a oportunidade para a produção de provas, conforme previsto no sistema do contraditório efetivo (art. 9º, CPC).
Por essas razões, rejeito a preliminar.
II.III DA PRESENÇA INFORMAL DO SECRETÁRIO DE ESPORTE E LAZER NA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO
A Equipe Boca Juniors alega que a presença do Secretário de Esporte e Lazer na audiência de instrução e julgamento, sem prévia intimação, teria o condão de influenciar os trabalhos, tendo em vista a sua autoridade hierárquica.
Novamente, sem razão ao Requerido. Justifico.
A alegação de que a presença do Secretário de Esporte e Lazer na audiência de instrução e julgamento poderia influenciar os trabalhos não se sustenta, pois as audiências são públicas por determinação legal (art. 11 do CPC), sendo permitida a presença de qualquer pessoa, inclusive autoridades. A publicidade é garantia fundamental do processo democrático e não se condiciona a prévia intimação, salvo nos casos expressamente previstos em lei. Ademais, não há qualquer disposição normativa que restrinja a presença de agentes públicos em audiências, desde que não interfiram ativamente no ato processual.
A alegação de que a autoridade hierárquica do Secretário poderia influenciar os trabalhos carece de fundamento jurídico, pois não há relação de subordinação entre o Secretário e os demais participantes da audiência, incluindo testemunhas, advogados ou mesmo o Presidente. Além disso, não foi demonstrado qualquer ato concreto de interferência ou coação, configurando mera suposição sem lastro probatório.
Se a Equipe Boca Juniors entendesse que a presença do Secretário poderia gerar algum vício, cabia a ela manifestar-se no momento oportuno, seja requerendo a exclusão do Secretário da audiência, seja arguindo eventual nulidade. No entanto, a parte silenciou durante a audiência, perdendo a oportunidade de suscitar a questão. Essa omissão caracteriza preclusão consumativa, impedindo que a alegação seja reapresentada em momento posterior. O direito processual não admite "sursis argumentativo", ou seja, a parte não pode reservar objeções para utilizá-las apenas se o resultado lhe for desfavorável.
De mais a mais, no caso concreto, como não houve qualquer demonstração de que o Secretário interferiu nos depoimentos ou no curso normal da audiência, a alegação de influência indevida é meramente especulativa, não podendo servir de fundamento para impugnação tardia.
Por essas razões, rejeito a preliminar.
II.IV DA AUSÊNCIA DE ASSINATURA DA ATA DE AUDIÊNCIA
Quanto à alegação de ausência de assinatura na ata de audiência, entendo que a preliminar suscitada perdeu o objeto, isso porque na questão de ordem suscitada pelo Dr. Emerson Queiroz, as partes foram intimadas para assinar a ata e para suscitar eventuais impugnações ao conteúdo dela (fl. 75), contudo, tanto as testemunhas, os advogados e a presidência assinaram sem qualquer ressalva.
Não posso deixar de consignar que a conduta da defesa, ao insurgir-se contra formalidades processuais já consumadas sem que tenha havido qualquer objeção no momento oportuno, configura manifesta deslealdade processual. O processo administrativo ou judicial não se presta a esse jogo de espertezas, em que se silencia diante do ato para depois, quando conveniente, tentar invalidá-lo.
Essa postura, além de revelar má-fé (art. 5º, CPC), ofende os princípios da boa-fé processual e da cooperação (art. 6º do CPC), que vedam condutas protelatórias e contraditórias. Não se tolera que o processo seja transformado em arena de artimanhas, em que se busca surpreender a outra parte e o próprio órgão julgador com alegações tardias e inconsistentes.
De todo modo, considerando que as partes, testemunhas, advogados e a presidência assinaram a ata, dou a preliminar por prejudicada.
Superadas as questões preliminares, passo ao exame do mérito.
DO MÉRITO
Pois bem. A Requerente promoveu a abertura de processo administrativo em desfavor dos Requeridos, objetivando apurar a eventual ocorrência de manipulação do resultado da partida de futsal disputada em 23 de maio de 2025, às 20h00, no Ginásio Poliesportivo o "Pedrosão", entre as Equipes Boca Juniors e Jovens Talentos, bem como determinar os efeitos jurídicos decorrentes da comprovada prática de conduta antidesportiva, nos termos da legislação desportiva aplicável.
Razão assiste à Requerente. Justifico.
Realmente, os depoimentos colhidos na audiência de instrução e julgamento revelam indícios robustos de manipulação do resultado da partida entre Boca Juniors e Jovens Talentos, conforme demonstram as condutas antidesportivas narradas pelas testemunhas e informantes. O árbitro Régis Araújo e Araújo, com mais de 10 anos de experiência, afirmou categoricamente que observou "lances claros de gols propositalmente desperdiçados", como uma bola debaixo da trave que foi "chutada, propositadamente, para fora", além de ouvir o goleiro da Equipe Jovens Talentos pedir para "não fazerem os gols" (fls. 63/65). Essas declarações são corroboradas pelo torcedor Francisco das Chagas Ferreira dos Santos (Celso), que confirmou ter presenciado "lances forçados" e a intenção de beneficiar um determinado resultado, destacando que o goleiro da equipe que estava ganhando "facilitou gols" de forma incomum.
De fato, a conduta das equipes foi tão evidente que o próprio árbitro admitiu ter chamado os atletas para adverti-los verbalmente, afirmando que "aquilo era uma palhaçada" e que “eliminaria” as equipes do campeonato (fls. 63/65). Essa postura do árbitro, somada à ausência de comemorações e à desmotivação durante o jogo, conforme relatado por ele e pelo torcedor Celso, demonstra um claro afastamento do espírito competitivo que deveria reger a partida.
Com efeito, a informação de que o empate beneficiava ambas as equipes, confirmada explicitamente pelo árbitro às fls. 63/65, associado aos lances suspeitos e às condutas passivas dos jogadores, configura um quadro típico de manipulação. Ainda que os dirigentes das equipes neguem qualquer combinação, as contradições em seus depoimentos — como a alegação de lesão do goleiro Gabriel, que não justificaria a queda de rendimento coletivo — fragilizam suas versões e reforçam a tese de conduta antidesportiva.
De mais a mais, o conjunto probatório, especialmente a Súmula/Relatório da partida, os testemunhos do árbitro Régis Araújo e Araújo e do torcedor Francisco das Chagas Ferreira dos Santos (Celso) constituem provas consistente da manipulação do resultado da partida. O árbitro, com mais de dez anos de experiência, foi categórico ao relatar "lances claros de gols propositalmente desperdiçados", como a bola debaixo da trave que foi "chutada para fora" de forma intencional (fls. 63/66). Além disso, seu depoimento ganha especial relevância por confirmar ter ouvido o próprio goleiro da Equipe Jovens Talentos pedir para "não fazerem os gols", conduta que caracteriza violação direta ao princípio do fair play e à ética desportiva. A autoridade técnica do árbitro, somada à ausência de qualquer motivo para falsear os fatos, confere credibilidade ao seu relato, que descreve com precisão as ações antidesportivas praticadas por ambas as equipes.
O torcedor Celso corrobora integralmente a versão do árbitro, acrescentando detalhes que eliminam qualquer dúvida sobre a intencionalidade das condutas. Ele não apenas confirmou ter presenciado "lances forçados" durante a partida, como também destacou que o goleiro da equipe que estava ganhando "facilitou gols" de maneira incompatível com uma disputa legítima (fls. 65/66). Sua condição de torcedor neutro – sem vínculo com as equipes ou interesse no resultado – confere objetividade ao depoimento, que ganha ainda mais força por descrever comportamentos anômalos observados por múltiplos ângulos. A convergência entre seu testemunho e o do árbitro forma um quadro probatório robusto, no qual fatos específicos e independentes se complementam para demonstrar a manipulação.
De se destacar, ainda, que a materialidade da conduta antidesportiva fica ainda mais evidente quando se analisa a reação do árbitro durante a partida. A decisão de chamar as equipes para adverti-las verbalmente – registrada tanto na súmula quanto em seu depoimento – demonstra que as irregularidades eram tão flagrantes que exigiam intervenção imediata. O árbitro foi explícito ao afirmar que aquilo "era uma palhaçada" e que “eliminaria” as equipes (fls. 63/65), declaração que não faria sentido diante de um jogo disputado com normalidade. A ausência de qualquer explicação plausível das equipes para justificar os lances narrados, associada à confirmação do torcedor Celso, transforma esses testemunhos em provas definitivas, que não deixam margem para interpretações alternativas. A manipulação do resultado, portanto, não é uma mera hipótese, mas uma conclusão inevitável diante das provas produzidas.
Lado outro, não posso deixar de destacar que os Requeridos tiveram ampla oportunidade de arrolar testemunhas isentas, sem qualquer vínculo com o resultado da partida, mas optaram por ouvir apenas informantes diretamente interessados no desfecho do processo, como os próprios dirigentes e atletas das equipes investigadas. Ricardo Gonçalves Sertão, por exemplo, dono da Equipe Boca Juniors, declarou expressamente como "interessados no resultado final do processo" (fl. 66), o que, por si só, compromete a imparcialidade de seus depoimentos. A escolha estratégica de não apresentar testemunhas independentes — como outros árbitros, membros da organização do campeonato ou torcedores neutros — revela a fragilidade da defesa, que se limitou a negar as acusações sem oferecer provas robustas em contraponto aos relatos do árbitro e da testemunha Celso.
De fato, os depoimentos dos informantes foram marcados por contradições e alegações genéricas, sem conseguirem refutar os fatos concretos narrados pelas testemunhas imparciais. Por exemplo, o goleiro Gabriel de Sousa Oliveira, da Boca Juniors, afirmou que sua lesão justificou a queda de rendimento da equipe, mas não explicou por que os lances suspeitos ocorreram também com outros jogadores, nem contestou as advertências verbais do árbitro sobre a falta de competitividade (fl. 70).
A ausência de testemunhas desinteressadas é ainda mais grave quando se observa que as equipes poderiam ter arrolado, por exemplo, membros da comissão organizadora ou torcedores sem ligação direta com os investigados. Em vez disso, ouviram apenas Carlo Wainã Trindade Rodrigues, que, embora se declare torcedor, é "amigo íntimo" do dirigente da Boca Juniors (fl. 68), e Gabriel de Sousa Oliveira, cujo depoimento foi claramente influenciado pelo interesse em proteger sua equipe. Essa opção deliberada por testemunhas parciais demonstra a incapacidade das defesas em apresentar uma versão crível dos fatos, reforçando a conclusão de que as condutas antidesportivas realmente ocorreram.
Por outro lado, a alegação de perseguição por parte do árbitro Régis Araújo e Araújo é insustentável diante dos fatos objetivos registrados nos autos. Em primeiro lugar, o árbitro atuou com notória imparcialidade ao advertir ambas as equipes durante a partida, demonstrando que seu enfoque foi sempre a conduta antidesportiva, e não qualquer suposta animosidade pessoal. Ademais, suas observações foram extremamente específicas - como relatar o momento exato em que um gol claro fora intencionalmente desperdiçado ("bola debaixo da trave chutada para fora") e a confissão ouvida do goleiro pedindo para "não fazerem os gols" (fls. 63/65).
Do mais, a alegação de que o árbitro objetiva prejudicar as equipes não se sustenta, isso porque as equipes não apresentaram qualquer prova concreta de conflito anterior - limitaram-se a alegações genéricas sobre "movimento para prejudicá-las", sem especificar datas, fatos ou testemunhas que comprovem essa narrativa. A alegação de que o árbitro teria prolongado indevidamente uma partida anterior sequer foi comprovada com a súmula do jogo em questão, configurando mera suposição.
Por essas razões, concluo que, de fato, restou comprovado que ambas as equipes atuaram deliberadamente para manipular o resultado final da partida, objetivando interesse comum de classificação.
Passo ao exame da penalidade aplicada ao caso.
Pois muito bem. O art. 1º, §único, do Regulamento Geral do Campeonato Bonjardinense de Futsal de 2025, categoria Amador, determina que a competição será regida pelas Regras do Jogo de Futsal (inciso I); pelo Código Brasileiro de Justiça Desportiva – CBJD (inciso II); pelas leis federais, estaduais e municipais, além dos demais instrumentos previstos na legislação aplicáveis às competições (inciso III).
A Lei Federal nº 14.597/2023 – Lei Geral do Esporte, define como objetivo central a prevenção e o combate à manipulação de resultados, caracterizada como qualquer ato ou omissão que vise alterar indevidamente o curso ou o desfecho de uma competição, atentando contra a imprevisibilidade que é essencial ao esporte. Esse dispositivo não apenas tipifica a conduta ilícita, mas também impõe a adoção de mecanismos de monitoramento e sanções severas para coibir práticas que maculem a lisura das disputas. Quando duas equipes agem em conluio para fraudar o resultado de uma partida, violam frontalmente esse princípio, justificando a aplicação da penalidade.
Vejamos:
Art. 177. A prevenção e o combate à manipulação de resultados esportivos têm por objetivo afastar a possibilidade de conluio intencional, ato ou omissão que visem a alteração indevida do resultado ou do curso de competição esportiva, atentando contra a imprevisibilidade da competição, prova ou partida esportiva com vistas à obtenção de benefício indevido para si ou para outros
A gravidade dessa conduta é ainda mais explicitada no Art. 198, que criminaliza a solicitação ou aceitação de vantagem (patrimonial ou não) com o intuito de falsear o resultado esportivo, sujeitando os infratores a pena de reclusão de 2 a 6 anos e multa.
Assim, se uma equipe se beneficia de um acordo ilícito para obter um resultado previamente combinado, configura-se uma violação direta desse dispositivo, tornando imperiosa a sua exclusão da competição. O mesmo raciocínio se aplica ao art. 199, que pune quem oferece ou promete vantagem para distorcer o resultado, demonstrando que a lei não faz distinção entre as partes envolvidas no esquema fraudulento – ambas são igualmente responsáveis e, portanto, passíveis de punição.
Transcrevo:
Art. 198. Solicitar ou aceitar, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial para qualquer ato ou omissão destinado a alterar ou falsear o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
Art. 199. Dar ou prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim de alterar ou falsear o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
Art. 200. Fraudar, por qualquer meio, ou contribuir para que se fraude, de qualquer forma, o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa.
Além disso, o art. 59, inciso VI, da Lei Geral do Esporte, estabelece como princípio fundamental da gestão esportiva a integridade competitiva, que deve ser preservada contra qualquer interferência externa ou interna que comprometa a igualdade entre os competidores. A sanção das equipes envolvidas em conluio não apenas pune os infratores, mas também restaura a credibilidade da competição, garantindo que os demais participantes não sejam prejudicados por ações dolosas. Essa medida está em plena harmonia com o art. 11, inciso XVII, que determina a adoção de medidas para erradicar práticas antiesportivas, incluindo a corrupção e a manipulação de resultados, reforçando a necessidade de sanções exemplares em casos de fraude comprovada.
Assim, a comprovação da manipulação do resultado da partida pelas equipes Boca Juniors e Jovens Talentos impõe a aplicação das sanções previstas no art. 243-A do CBJD a todos os atletas envolvidos. O dispositivo legal estabelece como infração disciplinar a atuação "de forma contrária à ética desportiva, com o fim de influenciar o resultado de partida", prevendo para os atletas a penalidade de multa que pode variar de cem a cem mil reais, além de suspensão de seis a doze partidas.
Vejamos:
Art. 243-A. Atuar, de forma contrária à ética desportiva, com o fim de influenciar o resultado de partida, prova ou equivalente. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009). PENA: multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), e suspensão de seis a doze partidas, provas ou equivalentes, se praticada por atleta, mesmo se suplente, treinador, médico ou membro da comissão técnica, ou pelo prazo de cento e oitenta a trezentos e sessenta dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida a este Código; no caso de reincidência, a pena será de eliminação. (Incluído pela Resolução CNE nº 29 de 2009).
No caso em análise, os depoimentos do árbitro e das testemunhas isentas revelaram condutas antidesportivas generalizadas por parte dos atletas, como chutes propositais para fora em lances claros de gol, pedidos explícitos para não marcar gols e comportamento desleixado durante toda a partida, caracterizando uma ação coletiva e coordenada para alterar o resultado.
Portanto, a gravidade da conduta coletiva dos atletas justifica a aplicação da penalidade máxima de suspensão por doze partidas, nos termos do art. 243-A do CBJD. A manipulação de resultados configura uma das infrações mais graves no âmbito desportivo, pois atenta contra a própria essência do esporte como atividade competitiva e leal. No caso concreto, a conduta dos atletas não se limitou a atos isolados, mas sim a uma ação concertada que envolveu toda a equipe, com evidente prejuízo à lisura da competição. A suspensão máxima se mostra proporcional e necessária para coibir futuras condutas semelhantes e preservar a integridade do campeonato.
No que se refere à aplicação de multas, o valor a ser fixado deve considerar a gravidade da infração e seu caráter coletivo. O Supracitado artigo permite a aplicação de multa de até cem mil reais por atleta, e no presente caso, considerando a flagrante violação ética e os danos causados à competição, decido pela aplicação de multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) para ambas as equipes. Esta medida tem duplo propósito: punir os infratores e servir como elemento dissuasório para eventuais novas infrações.
III - DISPOSITIVO
Por todo o exposto, julgo procedente a pretensão deduzida, para, nos termos do art. 243-A do CBJD, aplicar a suspensão de 12 (doze) partidas e multa de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) às Equipes Boca Juniors e Jovens Talentos.
Revogo a determinação da suspensão do Campeonato de Futsal.
Intime-se as partes, para, no prazo de 10 dias, querendo, apresentem recurso, nos termos do art. 59 da Lei 9.784/99.
Publique-se.
Intimem-se.
Bom jardim, 15 de julho de 2025.
_____________________________
Christianne de Araújo Varão
Prefeita Municipal